BÍBLIA INFLUENCIA A PSICOLOGIA MAIS DO QUE OS PSICÓLOGOS ACHAM

BÍBLIA INFLUENCIA A PSICOLOGIA MAIS DO QUE OS PSICÓLOGOS ACHAM

Karin Kepler Wondracek[1]

Se num futuro distante se escavar em busca das bases dos pioneiros da psicologia do século XX, como Freud, Jung, Rogers, Skinner, Frankl, Winnicott, haverá um achado que soa estranho aos ouvidos contemporâneos: suas teorias foram em grande medida influenciadas pela Bíblia Hebraica e pelo Novo Testamento cristão!

Em alguns pioneiros, como Jung, a influência é contundente e não optativa: “Precisamos ler a Bíblia ou não entenderemos psicologia. Nossa psicologia, nossas vidas, nossa linguagem e imagens foram construídas sobre a Bíblia”, conforme escreveu no volume 1 das Obras Completas, no Seminário das Visões. 

É preciso lembrar que, no tempo da formação das teorias psicológicas, o universo bíblico estava presente não apenas nas igrejas, mas também no imaginário social. Sua riqueza simbólica e antropológica constituía o “fundo comum” da cultura ocidental. 

Em decorrência, as teorias psicológicas estão enraizadas “no solo bíblico, na filosofia grega e no iluminismo ocidental. Seus pioneiros foram leitores da Bíblia, cresceram sob sua influência em grande parte de suas vidas”,  comenta Ageu Lisboa, organizador de Bíblia e Psique: marcas bíblicas na psicologia e psiquiatria (Ultimato).

Mesmo tendo sido nomeado como “o judeu sem Deus” por seu biografo Peter Gay, Freud escreveu em sua Autobiografia que o interesse pelo livro sagrado marcou-o para sempre. Tanto assim que a Bíblia é o segundo livro mais citado em suas obras. 

 

Embora a teoria freudiana tenha se tornado crítica à religião, o Moisés bíblico inspira dois textos importantes escritos por Freud. A psicanalista Betty Fuks, em seu livro Freud e a judeidade: a vocação do exílio (Jorge Zahar), aponta que até sua interpretação de sonhos se ancora no modo dos judeus lerem o texto sagrado, no sentido de encontrarem vários significados, não excludentes entre si, no branco ao redor das letras do texto. 

Alguns anos mais tarde, a psicanalista francesa Françoise Dolto torna mais explícita a conexão entre psicanálise e Bíblia: em O evangelho à luz da psicanálise (Verus) o texto sagrado é nomeado como “tesouro de palavras reunidas” que já continha o que seria descoberto pela psicanálise sob o nome de desejo. Mas, para Dolto, este sentido original cheio de vida foi escondido pela teologia “oficial”. Estas interpretações ocultaram o desejo, o inconsciente e a vida da alma.

Para espanto de muitos, o sentido original do Evangelho, a boa nova, é corroborado por  Wilhelm Reich (psicanalista dissidente de Freud, precursor da bioenergética). No livro O assassinato de Cristo (Martins Fontes) ele embasa sua crítica social num versículo bíblico, de que o cidadão comum é oprimido pelo Estado. Reich cita a acusação de Cristo aos fariseus de colocarem fardos pesados sobre as costas dos pequenos, enquanto não os carregam “nem com um dedo” (Mateus 23.1-4). 

Reich toma este texto para dizer que as relações sociopolíticas se tornaram sadomasoquistas, sendo a corrupção o modo “adulterado” de cultuar falsos líderes, distantes do ideal, que para ele é o Cristo! Ou seja, Reich atua aqui como teólogo interpretando a Bíblia para analisar a sociedade.

O efeito do ensino bíblico quando opressor, pode ser exemplificado pela vida de Skinner, fundador do behaviorismo. Ele foi vítima de uma religiosidade “aterrorizante”, inculcada por sua avó. A pergunta que não quer calar:  Será esta a causa de sua teoria do desenvolvimento humano não conceder qualquer abertura ao livre arbítrio e à espiritualidade? O terapeuta Zenon Lotufo Neto entrelaça esses caminhos em seu capítulo sobre a religião na vida de Skinner, no livro Bíblia e Psique.

Todavia, não se trata de colocar um manto bíblico sobre a psicologia e a psiquiatria, como querem alguns psicólogos ligados a movimentos religiosos fundamentalistas, mas de reconhecer estas raízes. O destino da influência bíblica dependeu do caminho singular de cada pioneiro. Está aí um convite para mais investigações!

Cabe aqui ampliar o leque, e acrescentar que os pioneiros da psicologia foram influenciados não apenas pelos textos bíblicos, mas pelos pensadores e místicos que se seguiram. Santo Agostinho, Santa Teresa de Ávila, Edith Stein, entre muitos… há mais a descobrir e religar. A psique humana é complexa, e merece o reconhecimento das múltiplas influências recebidas no seu estudo, sem oclusões e sem preconceitos.

 

[1] Matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo no dia 26 agosto 2025

 

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